quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

[Fundo de Catálogo] Miles Davis - Kind of Blue (1959)


Há um conjunto de ideias usualmente utilizadas para descrever a importância de Kind of Blue: é o disco de jazz mais influente de sempre; é o disco que mesmo que não é grande apreciador de jazz já ouviu; o disco que introduz quase toda a gente ao jazz. Chavões à parte, todas estas premissas geralmente confirmam-se. Kind of Blue é mais influente disco de jazz da história e introduz muito boa gente à linguagem do improviso.



Ao contrário do mito que entretanto foi criado, à excepção de "Flamengo Sketches", Kind of Blue não foi gravado de uma assentada. Foi gravado em duas sessões no Columbia Records' 30th Street Studio, em Nova Iorque e contou com alguns dos maiores de sempre: Bill Evans, Jimmy Cobb, Paul Chmbers, John Coltrane e Julian Adderley. 

É um dos quatro registos editados em 1959 que assumem uma importância fulcral para o jazz. Time Out de Dave Brubeck Quartet, Mingus Ah Um de Charles Mingus e The Shape of Jazz to Come de Ornette Coleman completam a lista. A importância de Kind of Blue vai para além da excelência da música e das 5 milhões de cópias vendidas que lhe conferem o estatuto de disco de jazz mais vendido de sempre. Foi o disco que introduziu o jazz modal, ou seja, os músicos improvisaram variações melódicas com base nas escalas em vez dos acordes, numa resposta ao bee bop que na altura tinha Charlie Parker como expoente máximo. Davis defendia que a ausência de acordes no improviso dava-lhe a liberdade de tocar para sempre.



1959, ano de ouro para o jazz. Anos depois, os Pink Floyd haveriam de deixar-se influenciar para a estrutura dos primeiros acordes de "Breathe". É apenas um exemplo da influência de Kind of Blue na pop.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Clipping - CLPPNG


Se CLPPNG fosse um filme seria preciso estômago para chegar até ao fim. Uma vez que CLPPNG não é um filme - embora tenha duas belas curtas em forma de vídeo promocional, as de "Body & Blood" e "Work Work" -, não será preciso o estômago, mas sim ouvidos e predisposição para compreender a obra perturbadora que Clipping criou para a estreia discográfica, depois da mixtape do ano passado, Midcity. A violência industrial poder parecer gratuita, mas o rapper preparou uma complexa storyline que privilegia a decadência e a promiscuidade. Um dos mais entusiasmantes discos de hip hop do ano.



sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Gold-Bears - Dalliance


Parte do bom que vem dos Gold-Bears vem da honestidade, do facto de não terem nada a esconder. A página oficial de Facebook deixa as influências escarrapachadas Smiths, Neutral Milk Hotel, Elliot Smith, The Jesus & Mary Chain, Superchunk, The Wedding Present e por aí fora. Dá para ter um ADN mais indie do que isto? Ao ouvir Dalliance acrescentamos aquele modo de cantar com o coração na boca muito dos Thermals e a inocência shoegaze de uns The Pains of Being Pure at Heart. Tão honesto e bem concretizado que desculpamos a montanha de citações. Em boa verdade, não é isso que o rock faz há décadas?

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Blu - Good To Be Home


Quando Blu nasceu, o hip hop ainda era uma criança. Estávamos em 83. O rapper nasceu e cresceu em Los Angeles, educado por um padrasto pastor e, como tal, influenciado pelo gospel e música cristã. O rap terá chegado através do pai. É essa Los Angeles, a Califórnia que o viu crescer - como pessoa, como rapper -, a casa que inspira este Good To Be Home. Antes, em 2013, trabalhou com Madlib, o que não admira pois é o nome que mais nos vem à mente quando atentamos exclusivamente na produção, responsabilidade de Bombay. A segunda metade do álbum que é duplo ameaça alguns desvios, mas acaba por não fugir ao sample soul a dar corpo às rimas de Blu. E é esse o problema, uma fórmula com poucos desvios que a certa altura cansa para se arrastar até ao final, marcado para o minuto 76.

sábado, 6 de dezembro de 2014

The Skygreen Leopards - Family Crimes / The Proper Ornaments - Wooden Hand


São de extrema melancolia alguns dos melhores discos que ouvimos este ano: de Atlas dos Real State a estes Family Crimes (na imagem) e Wooden Head, dos The Skygreen Leopards e The Proper Ornaments, respectivamente. Os primeiros criaram um disco de problemas de gente adulta, mas cujo som nostálgico nos leva à adolescência. E é nesse paradoxo que está o grande trunfo de mais um álbum de alguém que já anda nisto há cerca de 15 anos. Os Proper Ornaments juntam James Hoare dos Veronica Falls ao argentino Max Claps. Conheceram-se como no filme, em Notting Hill, mas a sinopse é um pouco diferente (e eventualmente mais interessante): a namorada cleptomaníaca de Max da altura pediu-lhe que distraísse o tipo da loja, James claro, que estava a ler um livro sobre os Velvet Undeground. Tínhamos banda - quem disse que o crime não compensa? Dois tipos que partilham afinidades musicais e que não têm receios de as confessar na música que é óptima e descomprometida: Beach Boys, Beatles, Velvet Underground. Nada a ver com os chatos dos Veronica Falls. 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

[Fundo de Catálogo] John Fahey - Blind Joe Death (1959)


E no início era o rock' n' roll. O de Bill Haley, Elvis, Little Richard, Buddy Holly e Chuck Berry. A bossa nova dava os primeiros passos com João Gilberto e James Brown arrancava na sua jornada funk. A estreia de John Fahey era, portanto, um O.V.N.I. que na primeira edição contou apenas com 100 exemplares, tais eram as expectativas comerciais de Blind Joe Death. E foi com apenas 100 edições tornou-se num dos discos mais importantes de sempre. É como aquele mito (?) que diz que apenas uns milhares compraram a estreia dos Velvet Undeground, mas todos os que o compraram formaram uma banda - Fahey influenciou, entre muitos outros, senhores como Pete Thousand, Thurston Moore, Beck, mais recentemente William Tyler e - porque não? - Norberto Lobo.



O título terá sido em parte uma sugestão de um amigo: na altura, quase todos os artistas blues eram Blind qualquer coisa - Blind Willie Johnson, Blind Boy Fuller, Blind Joe Taggart, etc. Chegou a criar uma história à volta da personagem fictícia que dá título ao disco, levando-o por vezes a palco, através da sua personificação - conduzido a palco pelo braço e de óculos escuros. A outra parte da justificação do título estará no mais antigo fascínio da humanidade: a morte. Aliás, Fahey dizia sentir um instinto mórbido na altura. É fácil acreditar, o génio do fingerpicking era um alcoólico com aquela atitude muito punk (muito antes de o punk existir) de desresponsabilização e do it yourself - aprendeu tudo sozinho e criou a sua própria editora quase exclusivamente para se editar a si próprio. 


Blind Joe Death foi gravado na sua casa, em Takoma Park, Maryland. Ainda hoje vive (e como vive!) para lá dela e daqueles míticos (e hoje caríssimos) 100 exemplares.