segunda-feira, 31 de outubro de 2016

[Fundo de Catálogo] The Mothers of Invention - Freak Out! (1966)


Se estudássemos uma disciplina chamada Frank Zappa e o primeiro teste se concentrasse no álbum de estreia dos Mothers of Invention, Freak Out!  eis uma proposta de pergunta e resposta simples:  

- Este é o primeiro disco psicadélico da história? Também.

- É o melhor álbum de Zappa? Claro que não.

- É o mais importante? Um dos...

Estávamos em 1966 e a história do rock mudava a cada mês, no anterior Dylan tinha incluído canções de quase 12 minutos em Blonde on Blonde no mesmo dia em que Brial Wilson e os Beach Boys mudaram a história da produção discográfica com Pet Sounds. Frank Zappa voltava a baralhar a história da pop. E baralhava com um disco de quatro lados (novidade absoluta) e conceptual sobre a América: o Vietname, os Tumultos de Watts e, consequentemente, os direitos civis, o jornalismo, até Elvis Presley.


A história é digna dos clássicos: Tom Wilson, homem experiente que já tinha produzido Dylan e Simon & Garfunkel, assina-os convencido que são uma "white blues band". Wilson, ao contrário de quase toda a gente rodeava outro Wilson, o Brian dos Beach Boys, abraçou a diferença e acreditou que esta fritaria poderia ser marcante. Terá gasto uma fortuna e arriscado o emprego, isto numa altura em que a paranóia, o invulgar e a diferença supostamente não pagavam contas. Mas nem tudo é difícil em Freak Out!: há doo-wop e canções como "Go Cry On Someone Else's  Shoulder" que só no cinismo e idiossincrasias de Zappa diferia do que uma data de grupos r&b e soul iam fazendo em editoras como a Motown ou a Stax.

Disco de culto, pioneiro naquilo a que se convencionou chamar de avant-garde.

 

domingo, 30 de outubro de 2016

[Fundo de Catálogo] The Beach Boys - Pet Sounds (1966)


A quente, pode parecer difícil compreender o espanto dos outros quatro Beach Boys quando regressam de mais uma digressão, desta feita sem Brian Wilson, e encontram o rato de laboratório à volta das canções que viriam a resultar em Pet Sounds. Afinal de contas, as pistas já estão todas em Today!, disco de transição cuja primeira metade faz a ponte para a idade adulta da banda. Mas analisemos a coisa a frio: ninguém tinha escrito e realizado nada assim. Nem Phil Spector, a grande inspiração de Wilson. Nem os Beatles de Rubber Soul, a grande inspiração de Pet Sounds. Embora o sexto disco dos britânicos já representasse um passo em frente em relação aos demais, são os Beach Boys de Pet Sounds que levam a produção rock 'n' roll até onde esta nunca tinha ido, mesmo em valores monetários: o registo terá custado $70,000, o equivalente a mais de $500,000 de hoje.



Pet Sounds é a primeira vez que se questiona a indústria: é um disco que não vai à procura do público, mas é o público que tem que ir ao seu encontro e dedicar-lhe tempo. Na altura não vendeu tanto como os anteriores e foi melhor recebido no Reino Unido. Parte de uma premissa muito simples, mas de execução complexa: fazer algo incrível, sem canções para encher, algo que durasse pelo menos dez anos, "algo muito bom como o que fez Phil Spector", explicou mais tarde Brian Wilson. É daqui que vem uma ideia de álbum conceptual, o primeiro registo acidentalmente conceptual, uma obra reconhecida pela produção inovadora. Para concretizar as suas ideias, Wilson equacionou levar um cavalo para estúdio e levou mesmo cães, comboios, campainhas de bicicleta, latas de coca-cola, garrafas de água, theremin, acordeão, bongo, ukulele, enfim, uma catrefada de coisas que ninguém a não ser o próprio poderiam ter antecipado. Eventualmente, o psicadelismo conhece aqui o seu ano zero. Entretanto, o homem ia cosendo as letras que Tony Asher, rapaz que Wilson tinha conhecido em 65 e que tinha criado vários jingles para uma agência de publicidade, ia escrevendo.

Quando lhe dizem que Pet Sounds é o melhor álbum de sempre, ele responde que o seu melhor álbum de sempre é Christmas Album, uma compilação da autoria de Phil Spector.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

[Fundo de Catálogo] Bob Dylan - Blonde on Blonde (1966)


Pode concordar-se ou não com a atribuição, mas qualquer discussão que passe pelo Nobel deve incluir Blonde on Blonde, talvez o  mais desconcertante álbum da discografia de Dylan. Ainda hoje lemos várias teorias acerca das canções, a começar na aparentemente mais descomplexada ("Rainy Day Women #12 & 35") a terminar na mais mais completa ("Visions of Johanna"). E sim, quando referimos "completa" também referimo-lo a um nível quase literário.

A história dá-nos o parto de Blonde on Blonde como o mais atribulado do escritor (já podemos?) até aí. Começou em Nova Iorque no Outono de 65, terminaram em Nashville, no Inverno de 66. Da primeira sessão só resultou uma canção: "One of Us Must Know (sooner or later)". Não era bloqueio criativo, as coisas é que não saíam como na cabeça de Dylan. Mais tarde, em 78, numa celebre entrevista, constataria: "the closest I ever got to the sound I hear in my mind...", referindo-se a Blonde on Blonde

É o produtor Bob Johnston que aborrece o manager Albert Grossman, este último é terminantemente contra a transferência de estúdios. Mas Dylan é quem manda e aceita a mudança. Para o Tenesse levou músicos que acataram tudo o que a vontade de Dylan ditava, ou seja, deixou aquilo que viria a ser a The Band, os The Hawks, na Big Apple. É esta a história de Blonde on Blonde: A vontade de Dylan antes da dos demais. 

Completando a trilogia começada por Bringing It All Back Home e Highway 61 Revisited, Blonde on Blonde oferece o mais complexo texto lírico da música pop até então (até hoje?). Descrições, metáforas, mudanças de direcção, inúmeras personagens (vagabundos, prostitutas, vendedores ambulantes,políticos bêbados, persas bêbados, vendedores de trapos, senadores, filhos de senadores, pregadores, etc. Letras sobre drogas que são sobre o livro de Actos (Bíblia) que são sobre os direitos civis que são sobre uma canção de Ray Charles que são sobre o evento de Newport Festival. Chama-se "Rainy Day #12 & #35" e, embora possa ser considerada a mais facilmente descartável, não é tão tonta como alguns a quiseram pintar. 

À polémica do Newport Festival juntam-se agora a das drogas ("Rainy Day Women #12 & #35, "Visions of Johanna" e "Just Like a Woman", por exemplo) e a misoginia ("Just Like a Woman"). Interpretações. Está na forma como deixa em aberto todas estas canções boa parte do fascínio de Dylan no geral e de Blonde on Blonde no particular. E essa "4th Time Around" em que parodia (?) John Lennon e os Beatles com a melodia de "Norwegian Wood"? Interpretações, uma vez mais. Lennon considerou-a uma provocação. Afinal de contas, o Beatle não fazia muito por esconder a influência do músico do Minnesota. 

Dylan tinha casado há três meses, mas até "Sad-Eyed Lady of the Lowlands" não havia testemunhas em formato canção. O épico de 11 minutos que fecha o registo desculpa tudo. Foi o primeiro disco duplo que a pop nos ofereceu. Não admira que não existam muitos grandes discos duplos, tal é a fasquia colocada desde 1966.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

[Fundo de Catálogo] The Rolling Stones - Aftermath (1966)


Embora seja muitas vezes celebrado por ser o primeiro álbum composto exclusivamente por composições da dupla Jagger/Richards, a grande influência sobre Aftermath talvez tenha que ser concedida a Brian Jones. Enquanto os restantes andavam à boleia da obra dos Beatles, Jones passava tempo com um deles, George Harrison, ele que lhe terá mostrado todos os instrumentos fora do comum que aqui encontramos: sitar, marimba e koto. E é só por isso que este é o primeiro álbum dos Stones que nos obriga a parar para ouvir com redobrada atenção. Há ali um baixo fuzz, acolá um ou outro pormenor que foge ao padrão blues-rock dos primeiros registos, mas nada como os toques instrumentais introduzidos por Jones. 



Era para ser a banda sonora de um filme que nunca existiu provisoriamente chamado Back, Behind And in Front. Acabaria por não avançar, por alegada falta de entendimento entre Mick Jagger e o potencial realizador, Nicholas Ray. O vocalista não terá apreciado o homem de Johnny Guitar. É um corte do passado, o abraçar da provocação e às drogas: algumas canções, "Stupid Girl" e "Under My Thumb" à cabeça, irritaram movimentos feministas com alegadas tiradas misóginas.


A versão britânica ultrapassa os 50 minutos e aí já não é apenas um corte com o passado do grupo, mas com o de toda a industria. 

terça-feira, 18 de outubro de 2016

[Fundo de Catálogo] The Mamas & The Papas - If You Can Believe Your Ears and Eyes (1966)


No que diz respeito às harmonias e predilecção do estúdio e desdém pela estrada, o génio de John Phillips só encontrará paralelo no de Brian Wilson. O que os Mamas and The Papas fizeram a nível harmónico, como obra definitiva, só poderá ser comparado a Pet Sounds. Aliás, a estreia apressada da banda Californiana encontra inspiração em Rubber Soul, dos Beatles, e na segunda metade de Today!, dos Beach Boys. Mas foquemo-nos então em Março de 66: a Califórnia hospedava o movimento que ainda hoje serve de farol para o que aconteceu nos anos 60: o hippie. If You Can Believe Your Ears and Eyes é peça central para compreender o que se passava na Costa Oeste, no geral, e na Califórnia, no particular. 

A adoração de Philips e Wilson pelo estúdio coloca-nos num outro momento de transição: os músicos que começam a trabalhar para o estúdio e preterem a estrada. Até à temporada 65/66 o caminho era o inverso. Phil Spector, também ele figura central nesta transformação, ia abanando as coisas e também ele merece a sua homenagem em "Spanish Harlem". Para além, claro, do tão celebrado Wall of sound que surge logo a abrir, com "Monday, Monday". O apontamento final vai para a capa que foi banida não por colocar todos os membros da banda, embora vestidos, na mesma banheira, mas pela presença de um lavatório. Ah, sim, e "California Dreamin'", sim, grande canção!

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

[Fundo de Catálogo] The Monks - Black Monk Time (1966)


Eis os Torquays, uma banda composta por cinco soldados norte-americanos que, em pleno oeste alemão formaram uma banda para desabafarem. Nasceram em 1964 e editaram um single no mesmo ano. Oh, que se lixem os Torquays! Mais uma banda tipo Beatles? Os Monks substituíram-lhes o nome e a direcção e, embora só tenham durado um disco, influenciaram quase tudo o que veio a seguir. De banda tipo Beatles tornaram-se nuns anti-Beatles numa altura em que os próprios Beatles se tornavam anti-Beatles. Raparam parte da cabeça como os monges e vestiram-se como tal. A música era refrescante, mas, como algumas das melhores histórias da pop, ninguém o percebeu na altura. Influenciaram a aparição do punk e do krautrock (recorde-se, o disco foi apenas editado na Alemanha). Não é que se a sua música quebrasse totalmente com o cânone americano, usavam um banjo electrificado, por exemplo, e, no final do dia, Black Monk Time é apenas mais um disco de r&b, mas um diferente, com uma outra coisa que era nova na altura: o feedback que encontraram de forma acidental e incorporaram na sua música. As próprias letras, despidas e idiossincráticas, eram especiais, diferentes de tudo o que se ia fazendo.


Enquanto Torquays não venderam nada, enquanto Monks também não venderam nada, mas, a par dos Velvet Underground, tornaram-se numa das mais influentes bandas de sempre que menos discos vendeu. Black Monk Time terá influenciado toda a gente: Mark E. Smith (Fall), Beastie Boys, Jack White, Colin Greenwood (Radiohead) e até os Horrors.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

[Fundo de Catálogo] Simon & Garfunkel - Sounds of Silence (1966)



18 meses na década de 60, mesmo com a estreia a solo de Paul Simon pelo meio, é uma eternidade, mas é esta a distância temporal que separa o primeiro do segundo discos de Simon & Garfunkel. E esta ideia é importante porque, numa altura em que as mudanças aconteciam a uma velocidade estonteante, o folk-rock explodiu com os Byrds, Dylan e até os Beatles. Sounds of Silence está mais perto dos primeiros, mas bebe claramente dos outros - Paul Simon chegou a dizer que a admiração era tanta que tinha que se esforçar para não imitar Dylan. Mas basta ouvir estas harmonias para nos afastarmos do homem de "Mr. Tambourine Man". A canção título é a materialização dessa nova roupagem: Tom Wilson, o produtor, chamou vários músicos para uma sessão que regravou "Sound of Silence", vieram Joe Mack, Buddy Salzman, Vinnie Bell e Al Gorgoni. A canção folk transformou-se em canção folk-rock e a canção folk-rock tornou-se um clássico intemporal. 18 meses passaram entre 1964 e Janeiro de 1966. Mas a pressão (ou ausência dela) estava do lado do duo: o primeiro disco tinha vendido cerca de duas mil cópias. Era quase como se não existissem. A partir daqui, nunca mais o mundo os conseguiu ignorar.