segunda-feira, 24 de outubro de 2016

[Fundo de Catálogo] Bob Dylan - Blonde on Blonde (1966)


Pode concordar-se ou não com a atribuição, mas qualquer discussão que passe pelo Nobel deve incluir Blonde on Blonde, talvez o  mais desconcertante álbum da discografia de Dylan. Ainda hoje lemos várias teorias acerca das canções, a começar na aparentemente mais descomplexada ("Rainy Day Women #12 & 35") a terminar na mais mais completa ("Visions of Johanna"). E sim, quando referimos "completa" também referimo-lo a um nível quase literário.

A história dá-nos o parto de Blonde on Blonde como o mais atribulado do escritor (já podemos?) até aí. Começou em Nova Iorque no Outono de 65, terminaram em Nashville, no Inverno de 66. Da primeira sessão só resultou uma canção: "One of Us Must Know (sooner or later)". Não era bloqueio criativo, as coisas é que não saíam como na cabeça de Dylan. Mais tarde, em 78, numa celebre entrevista, constataria: "the closest I ever got to the sound I hear in my mind...", referindo-se a Blonde on Blonde

É o produtor Bob Johnston que aborrece o manager Albert Grossman, este último é terminantemente contra a transferência de estúdios. Mas Dylan é quem manda e aceita a mudança. Para o Tenesse levou músicos que acataram tudo o que a vontade de Dylan ditava, ou seja, deixou aquilo que viria a ser a The Band, os The Hawks, na Big Apple. É esta a história de Blonde on Blonde: A vontade de Dylan antes da dos demais. 

Completando a trilogia começada por Bringing It All Back Home e Highway 61 Revisited, Blonde on Blonde oferece o mais complexo texto lírico da música pop até então (até hoje?). Descrições, metáforas, mudanças de direcção, inúmeras personagens (vagabundos, prostitutas, vendedores ambulantes,políticos bêbados, persas bêbados, vendedores de trapos, senadores, filhos de senadores, pregadores, etc. Letras sobre drogas que são sobre o livro de Actos (Bíblia) que são sobre os direitos civis que são sobre uma canção de Ray Charles que são sobre o evento de Newport Festival. Chama-se "Rainy Day #12 & #35" e, embora possa ser considerada a mais facilmente descartável, não é tão tonta como alguns a quiseram pintar. 

À polémica do Newport Festival juntam-se agora a das drogas ("Rainy Day Women #12 & #35, "Visions of Johanna" e "Just Like a Woman", por exemplo) e a misoginia ("Just Like a Woman"). Interpretações. Está na forma como deixa em aberto todas estas canções boa parte do fascínio de Dylan no geral e de Blonde on Blonde no particular. E essa "4th Time Around" em que parodia (?) John Lennon e os Beatles com a melodia de "Norwegian Wood"? Interpretações, uma vez mais. Lennon considerou-a uma provocação. Afinal de contas, o Beatle não fazia muito por esconder a influência do músico do Minnesota. 

Dylan tinha casado há três meses, mas até "Sad-Eyed Lady of the Lowlands" não havia testemunhas em formato canção. O épico de 11 minutos que fecha o registo desculpa tudo. Foi o primeiro disco duplo que a pop nos ofereceu. Não admira que não existam muitos grandes discos duplos, tal é a fasquia colocada desde 1966.

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