sexta-feira, 17 de março de 2017

[Fundo de Catálogo] The Beatles - Magical Mistery Tour (1967)


A diferença que faziam quatro/cinco meses nos anos 60... a partir do 1º de Junho, SgtPeppers transformava-se na banda sonora do Summer of Love. Em Novembro/Dezembro, Magical Mistery Tour é a banda sonora do 3º filme protagonizado pelos Beatles e o Verão do Amor está enterrado, já depois (claro) de "All You Need is Love" juntar-se a "San Francisco (Be Sure toWear Some Flowers in Your Hair)" como hino hippie. A canção dos Beatles fez parte da primeira transmissão satélite, em que 25 países partilharam algo entre si. Os Beatles projectaram a sua mensagem de paz, numa composição que só podia ser de Lennon. Antes, em 64 e 65, os Fab Four já tinham lançado A Hard Day's Night e Help!, respectivamente, mas Magical Mistery Tour era diferente e a crítica estranhou. Embora, com o tempo, a experiência tenha vindo a entranhar pela sua liberdade, em 1967 foi um fracasso.



Nesse tal verão hippie, os Beatles recusavam-se a entrar em digressão e tinham perdido Brian Epstein, manager de sempre. Em tempo de edições diferentes para diferentes mercados, para os britânicos, Magical Mistery Tour foi um EP, para os americanos um LP. Com o tempo, o registo ganhou estatuto suficiente para ser considerado no catálogo principal da banda. Convenhamos, eram os Beatles e os Beatles em 1967 eram diferentes e estavam a um nível em que quase tudo o que criavam era magnífico e simbolizavam um passo em frente para a história da pop. Muitas destas canções vêm na sequência das gravações de Sgt. Peppers e é um registo de continuidade em que McCartney continua a dominar a composição, Lennon protagoniza o melhor material e George Harrison pica o ponto com a qualidade, subvalorização mediática e motivos orientais do costume.


Mesmo sendo um dos discos menos celebrados da discografia dos Beatles, é um dos mais analisados, seja pelas referências a drogas, teorias da conspiração e referências à infância da dupla Lennon/McCartney. Os locais da cidade citados são tantos que há tours temáticas.

sábado, 4 de março de 2017

[Fundo de Catálogo] Leonard Cohen - Songs of Leonard Cohen (1967)


E no mesmo dia, 27 de Dezembro de 1967, Bob Dylan e Leonard Cohen editaram discos tremendamente influenciados pela Bíblia. E, embora Dylan fosse substancialmente mais novo, já levava quase uma década disto. Cohen era a primeira vez que materializava os seus poemas e escritos em algo musical. Já tinha 33 anos quando este Songs of Leonard Cohen se mostrou diferente de tudo o que ouvíramos até aí, incluindo a discografia de Robert Allen Zimmerman.

O poeta e escritor vira então um dos mais influentes músicos de todos os tempos. Ainda não domina a melodia, mas saca algumas das suas canções mais emblemática, muito pela força e complexidade literária que coloca na estreia. Esta complexidade demorou meses a criar, algo fora do comum nos anos 60 em que seis meses davam para editar dois discos do mesmo artista e não, como no caso de Cohen, para compor e gravar um único registo. Embora sem grandes melodias, o som folky vive à base do fingerpicking à John Fahey e da inclusão de outros ocasionais instrumentos que não deixam cair estas dez canções no bocejo.

Noutra curiosidade e comparação entre os grandes poetas musicais do século XX, o título de uma canção de  Dylan deu nome aos Judas Priest e o nome de uma canção de Cohen baptizou os Sisters of Mercy.

[Fundo de Catálogo] Bob Dylan - John Wesley Harding (1967)



E, de fininho, Dylan regressa do meio da azáfama psicadélica e toca como se nada fosse. Deixou de influenciar e deixar influenciar pelos Beatles e, tal como os Beach Boys, recua. Regressa a um som acústico. A voz de uma geração deixa-o de ser porque, entretanto, a voz é vítima de uma acidente de mota e a geração vira hippie.  

Depois da recuperação do acidente, de um período em que gravou The Complete Basement Tapes e de muito estudar a Bíblia, Dylan regressa com vontade de manter discreto e chega mesmo a rejeitar a edição de singles. Ainda para mais, John Wesley Harding chega depois do Natal, mesmo a fechar o ano. Se até aí é a canção de intervenção que o guia, aqui, no ao 8º disco, é a Bíblia que lhe orienta a inspiração. 

Diz-nos o livro 61 Highways Revisited que são 60 as referências bíblicas aqui embutidas. De Provérbios ("The Wicked Messenger") a Apocalipse ("All Along the Watchtower"), passando por Isaías ("All Along the Watchtower" novamente) e Samuel ("The Wicked Messenger novamente), por exemplo. Estas são referências directas, mas há mais. Há "I Dreamed I Saw St. Augustine" e a depravação e o arrependimento, e há "Drifter's Escape" que arranca com um "Oh, help me in my weakness" e termina com o milagre: "Just then a bolt of lightning Struck the courthouse out of shape / And while ev’rybody knelt to pray / The drifter did escape". Ou ainda "I Pity the poor immigrant" que parece ser uma canção sobre descrentes: "That man whom with his fingers cheats / And who lies with every breath / And likewise, fears his death".

Apenas um paralelismo com as gentes do psicadelismo: num ano em que várias capas que pareciam uma derivação de Where's Waldo, também Dylan quis passar despercebido.

sexta-feira, 3 de março de 2017

[Fundo de Catálogo] The Who - The Who Sell Out (1967)


No dia 14 de agosto de 1967, as transmissões de rádio em águas territoriais do Reino Unido passam a não ser permitidas, aniquilando as rádios pirata que aí se refugiavam para oferecer o rock que fugia da programação das BBCs. Dois meses antes, os Who deixam rasto no Monterey Pop Festival e três meses depois, a banda que, apesar do clássico "My Generation", ainda não tinha editado um grande disco, decide lançar um registo conceptual que simulasse a transmissão de uma rádio pirata, com jingles e anúncios inventados. A ironia inerente ao título estende-se à capa e a algumas das canções do disco, em que promovem desodorizantes, Heinz Baked Beans, tatuagens e pomadas para combater o acne. Para além de algumas referências sexuais que são caras aos miúdos, claro, ou não fosse esse o público das rádios pirata.

A primeira metade de The Who Sell Out deixa o espalhafato dos discos anteriores para se envolver no psicadelismo mais debochado e excessivo, à Beatles de Sgt Peppers ou Zappa nos Mothers of Invention ou mesmo dos Stones que tinham acabado de editar Their Satanic Majesties Request. Só Brian Wilson se parecia levar a sério. Na segunda metade, "I Can See for Miles" é tão a sério que, para além de ser tida (de forma ousada, diga-se) como um dos primeiros exemplos de rock progressivo, terá inspirado Paul McCartney a criar "Helter Skelter", para muitos a primeira canção com laivos metal de sempre. A história:o Beatle estaria a ler uma review a The Who Sell Out e deparou-se com uma frase que descrevia "I Can See for Miles" como a "canção mais pesada de sempre". McCartney, claro, teve que se superlativar. Talvez seja então a segunda parte do álbum, sem referência radiofónicas, que, no meio de tanta paródia, tenha acabado por ser levado a sério. É de valor.