sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Sleaford Mods - Divide and Exit

É inegavelmente britânico um dos mais singulares discos de 2014. Divide and Exit, aliás, é quase uma breve aula de história da canção britânica - do punk ao grime, com passagem pela britpop. Os Fall, os Blur de Parklife, os The Streets de A Grand Don't Come For Free. As canções, também elas de duração punk, são curtos comentários/piadas sociais. Tudo com o típico humor britânico nonsense. Jason Williamson e Andrew Fearn, dois tipos chatos, bem chatos, de Nottingham, de dedo em riste e um arroto pronto a fazer arrancar uma ou duas canções. O problema é só um: a repetição da fórmula absurda que reza um comentário social por cima da produção raquítico, mas suficiente para os propósitos de um disco (já o dissemos?) singular.

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Makthaverskan - II


2014. Já não há grande paciência para revivalismo punk. E é por isso que o segundo de Makthaverskan surpreende. É punk, sim, mas a forma despachada e descuidada com que Maja Milner lamenta os erros do passado e as relações mal resolvidas durante a necessariamente conturbada adolescência não soam apenas a revivalismo barato. E o shoegaze, com sintetizadores dos 80s evitam a repetição de uma fórmula que nem chega a existir.

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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

[Fundo de Catálogo] Buddy Holly - The "Chirping" Crickets (1957)


Gostamos de nos referir à forma como a malta da Stones Throw promoveu Mayer Hawthorne - um nerd com a soul na voz - como uma pedrada no charco. Mas, há mais de 50 anos, um outro tipo de óculos e aspecto pouco cool transformou-se num dos mais influentes músicos dos anos 50 e da história da música popular, referência essencial para a mais aclamada banda de todos os tempos, os Beatles. Buddy Holly foi, aliás, o primeiro a fazer várias coisas: o primeiro tipo sem apelo físico a triunfar no círculo rock' n' roll, o primeiro tipo a criar uma banda de rock e o primeiro tipo de rock a morrer tragicamente, num acidente (aéreo).



O geek pouco à vontade na televisão começou a cantar canções em igrejas baptistas para, depois, se deixar agarrar pelo bluegrass e pelos blues de Lonnie Johnson. São influências que se notam naquele que seria o único álbum de Holly com os Crickets. A trágica morte, com apenas 22 anos, haveria de cubrir um legado que ainda hoje dura. Pai "legítimo" dos Beatles - em 1964, antes da actuação no Ed Sullivan, John Lennon como porta voz dos Beatles haveria de perguntar: "foi este o palco que Buddy Holly em tempos pisou, não foi?" - e inspiração para Dylan, Stones, Beach Boys e outros monstros sagrados. Partiu cedo demais.

domingo, 14 de setembro de 2014

Chad Vangaalen - Shrink Dust


À imagens de vários pais do século XXI, do pós-Internet, Chad Vangaalen é aquilo a que se pode chamar de "pai mais cool do mundo". Tem dois projectos com os filhos, uma banda de hardcore chamada Crocodile Teeth & The Snugglers e outra techno intitulada de Banana Bread. Talvez inspirado por essa paternidade - a imaginação das crianças é um poço sem fundo -, Vangaalen criou um mundo de monstros, demónios e carregado de referências psicadélicas (a Baby TV explica). Se tivesse sido editado há cerca de dez anos teria sido colocado na mesma prateleira de Devendra Banhart ou Joanna Newsom,  a da freak folk. Hoje entra "apenas" na dos melhores discos que ouvimos este ano.

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sábado, 6 de setembro de 2014

Kelis - Food


Desde que a relação entre Kelis e Nas terminou, a um nível meramente qualitativo, ambos seguiram caminhos bastante distintos. O rapper regressou em boa forma com Life is Good, título que força a ideia de que já teria ultrapassado o complicado divórcio e Kelis editou Fresh Tone, cujo título também tem uma conotação literal mas ambígua - novo começou, depois do divórcio? Desvio criativo? A mudança de som é tão radical que apostamos as fichas todas na segunda hipótese. Com este álbum, e como é seu apanágio, Kelis atirou-se ao inesperado e juntou-se, por exemplo, a David Guetta e Benny Benassi - artistas que, relembre-se, fecharam a edição 2014 do Sudoeste, no Dia D, "D" de DJs e de dança. 

E agora algo completamente diferente: um álbum soul. "A sério, a voz de "Milkshake" a atirar-se à soul clássica da Motown, da Stax ou da Deep City?" Poderia ter corrido muito mal. No papel, a voz de Kelis é demasiado frágil para este tipo de som. Na prática, com Dave Sitek a bordo, na produção, a coisa é bem diferente e a grande arte de Food está na forma como camufla tão bem as fragilidades de Kelis e as transforma em forças. Surpreendentemente (Kelis não o sabe fazer de outra forma), o sexto disco da interprete (mais do que tudo, Kelis já provou que é uma enorme interprete) é um triunfo.

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[Fundo de Catálogo] Chuck Berry - After School Session (1957)


Quando After School Session "rebentou", Chuck Berry já tinha editado dois dos seus mais celebres singles, "Maybellen" (1955) e "Roll Over Beethoven" (1956). O álbum de estreia do preto que passava por branco na rádio foi gravado ao longo de dois anos e representou o segundo longa duração da Chess Records - o primeiro tinha sido o da banda sonora do filme Rock, Rock, Rock!, de onde saiu a icónica capa desta estreia.

Apadrinhado por Muddy Waters, Berry destaca-se no vestuário impecavelmente engomado e penteado milimetricamente trabalhado, mas o grande segredo está na forma como se mexia em palco - ora a tocar guitarra, com os pés e os joelhos a formarem um triângulo quase equilátero, ora quando se curva e aponta a guitarra como se de uma arma de fogo se tratasse - uma influência clara para Angus Young, o eterno "anão" dos AC/DC.



Reza a lenda que a mais famosa canção de After School Session e de todo o legado de Chuck Berry, "Roll Over Beethoven", é uma provocação à irmã que passava o tempo todo agarrada ao piano a tocar composições clássicas. Isto resume muito bem o legado de Berry: as suas canções são na verdade histórias - é-lhe muitas vezes atribuído o título de primeiro songwriter -, histórias que a música popular haveria de abraçar anos depois.

Dylan, os Stones, os Beatles, os AC/DC, Bruce Springsteen, só para citar de cabeça, foram todos tocados pela enorme influência do tipo singular e impecavelmente vestido que furava a América rascista cantando como um branco.