terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] The Rolling Stones - Their Satanic Majesties Request (1967)


O caos seria tal que, segundo Brian Jones, a um mês da edição deste Their Satanic Majesties Request, a banda ainda não teria nada. Keith Ricards haveria de trata-lo por “lixo” e Mick Jagger assumiria: "não é grande coisa". A verdade é que o disco que em tempos foi resignado a medíocre resposta a Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band dos Beatles, acabou por envelhecer bem. “2000 Man”, por exemplo, tem algo de profético adivinhando de certa forma o boom tecnológico do século XXI. Isto numa altura em que os computadores ainda nem era acessório caseiro.  


A drogaria seria tal que a primeira proposta de capa para o disco foi colocar Jagger numa cruz. A editora, claro, chumbou a ideia, mas não evitou que Andrew Loog Oldham abandonasse o estúdio, deixando os Stones à mercê das doses de LSD. Cada elemento do grupo trazia várias outras pessoas para estúdio numa desorientação total a que a produção descuidada faz jus. 

Nessa altura, a banda já tinha inventado um dos riffs mais influentes de todos os tempos que, por sua vez, já tinha influenciado uma data de outros. Their Satanic Majesties Request é o disco mais diferente dos Stones e por isso o mais fácil para um não fã da banda gostar. Estranho que tenha sido tão comparado com Sgt. Peppers quando é, se assim se pode dizer, um disco bem  mais psicadélico. O oitavo dos Beatles explora bem mais a canção pop do que o anterior Revolver, esse sim, o hino psicadélico da banda.

Picaram o ponto psicadélico e, depois disto, voltariam à base: os blues.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] The Jimi Hendrix Experience - Axis: Bold as Love (1967)


Como suceder um disco de estreia que foi uma verdadeira pedrada no charco e que inventou uma nova forma de tocar e explorar a guitarra? Editar no mesmo ano, sete meses depois, e elevar a fasquia com canções mais desafiantes e um disco mais dado à experimentação. Basta ouvir a faixa de abertura, "EXP", que não chega a ser uma canção mas quase dois minutos de uma entrevista que é abafada pelo feedback da guitarra de Hendrix e acaba por se transformar em "Up the Skies"; uma canção sobre aliens. 

Injusta e tantas vezes visto de forma demasiado simplória como o patinho feio da discografia, Jimi, Noel Redding e Mitch Mitchell não mudam demasiado a fórmula, apenas fazem por passeá-la por novos trilhos. Assim, o power trio volta a pisar terrenos blues, jazz, psicadelismo e soul enquanto começavam-se a gastar os melhores riffs da história do rock. E os próximos anos só piorariam a situação, muito graças ao próprio Hendrix e outro "Jimi", Jimmy Page. 

[Fundo de Catálogo] Love - Forever Changes (1967)

Se Da Capo os inclui no catálogo psicadélico, Forever Changes afasta-os para algo completamente novo em 1967: um registo folk-rock latino-americano. Culpa dos trompetes e do som tipo Herb Alpert & the Tijuana Brass, grupo que nesse mesmo ano lançara Sounds Like... um dos best sellers do ano. Nas referências mais óbvias, os Love iam a Bob Dylan e, como todos os outros, aos Beatles (era Rubber Soul/Revolver). 

Ironicamente, ao contrário do tal disco dos Tijuana Brass, Forever Changes não vendeu quase nada. Os Love colocavam-se do lado dos Doors, companheiros editoriais, e partilhavam o mesmo cinismo perante uma onda de positivismo contrastante com as guerras americanas, internas e externas. Não custa muito acreditar que para um afro-americano como Arthur Lee (cérebro de quase tudo o que está aqui) a luta pelos direitos civis lhe fosse cara. No documentário Love Story disse que um amigo o havia aconselhado a não tocar em assuntos como a política e a religião. "Ele estava enganado",  concluiu. 

Nas palavras do próprio, Lee terá pressentido que não passaria do Verão de 67 e criou um testamento, algo que espelhasse o que sentia, daí que o resultado seja tão pessimista e propositadamente afastado dos ideias do Summer of Love que entretanto já era história. Mas este é também um disco sobre o deteriorar da relação entre Lee e o outro ego do grupo: Bryan MacLean, filho de um arquitecto de Hollywood, o burguês da banda. Seria a última vez que a formação original gravaria junta. Na rodapé das curiosidades, destaque para Neil Young que era suposto produzir, mas, à última hora, decidiu avançar com a sua carreira a solo, embora, nem dois anos depois, tenhamos percebido que não era bem assim. 

Forever Changes é uma espécie de Velvet Underground & Nico na forma como influenciou tantos e passou despercebido no seu tempo. 


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] Jefferson Airplane - After Bathing at Baxters (1967)


Interessante perceber que depois do enterro do Summer of Love, também os Jefferson Airplane decidiram seguir outro caminho. Depois de um muito bem sucedido Surrealistic Pillow, álbum que ofereceu dois hinos, "Somebody to Love" e "White Rabbit", o grupo avança para a auto-sabotagem, à imagem do que os Velvet Underground fariam mais adiante: um registo sem singles óbvios, propositadamente arriscado e disruptivo. Frank Zappa passa a ser o farol da mais celebrada banda de São Francisco, o psicadelismo passa a andar de mãos dadas com o caos de mais uma viagem sem destino premeditado. Conceptual e dividido em cinco fases (Streetmasse, The War is  over, Hymn to an Older Generation, How Suite It Is e Shizoforest Love Suite) é o segundo disco em apenas um ano e a prova provada que 1967 é um dos anos mais rápidos da história da pop. Segue jogo, já íamos no final de Novembro e ainda faltavam discos importantíssimos dos Love e Rolling Stones.

[Fundo de Catálogo] Cream - Disreli Gears (1967)


O primeiro power trio e super grupo da história estava de volta, quase um ano depois. Só para termos uma noção da velocidade a que tudo acontecia, entre os dois registos, o Summer of Love começou e terminou, os Doors lançaram dois álbuns e inauguram um lado negro que abana o status quo editorial, os Beatles mudam o mundo e nasceu o rock progressivo

A fórmula não é muito diferente, mas enquanto a base continua a ser o blues que agora também é jazz, mas as letras e a voz de Jack Bruce viram-se para o psicadelismo. Inspirados pela estreia de Hendrix, o trabalho de Clapton na guitarra também complexifica-se, com mais pedais e riffs elaborados. O mais incrível é que não há momentos que os egos lutem de forma óbvia, nem há virtuosismo pelo virtuosismo. Era aproveitar enquanto os melhores músicos dos anos 60 ainda se entendiam. Nos anos 70 seguiriam caminhos diferentes.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] Moody Blues - Days of Future Passed (1967)


A ideia seria gravar uma versão rock em stereo da 9ª sinfonia de Dvorak, a New World Symphony. O resultado é o primeiro álbum de rock progressivo, antes mesmo do termo e dos King Crimson existirem. Em 1967, a metamorfose era uma prática bastante comum: bandas que viravam do rock para o psicadelismo, artistas folk que de cantores de protesto passavam a compositores barrocos, grupos que trocavam o palco pelo estúdio. A transformação dos Moody Blues. ex-grupo r&b, só por si, não é surpreendente, mas aquilo em que se transformou é o que torna este Days of Future Passed um dos mais influentes discos de sempre a derivarem de um dos discos mais influentes de sempre: Sgt Peppers, claro. 

Já tínhamos laivos de conceito anexados a álbuns, como Pet Sounds, Face to Face, Freak Out! ou, claro, Sgt Peppers, mas este deverá ser mesmo o primeiro álbum a criar um conceito e a navegar à volta do mesmo: o conceito de dia (referência aos Beatles?), com o arranque madrugador e fim nocturnal. Pelo meio, a London Festival Orchestra funde-se com os músicos num som sinfónico, psicadélico, fresco. Não é bem o fogo dos Beatles, é até contido, poético, acolhedor.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

[Disco] Austra - Future Politics


É simbólico que Future Politics tenha sido editado no tão badalado Inauguration Day, o dia 1 de Donald J. Trump enquanto twitteiro que também é Presidente dos Estados Unidos da América. 20 de Janeiro passou também a ser o dia 1 da cultura vs Trump. É possível que nos próximos meses e anos, o ritmo aumente, mesmo que, como disse recentemente um escritor algures, os americanos apenas tomem atenção ao que se passa em Hollywood. 



Aparentemente, Future Politics foi escrito antes da eleição mais estapafúrdia da história, mas a viragem para uma cultura xenófoba, racista, intolerante e de extrema direita já está em marcha faz anos. É um álbum conceptual que tem sido descrito como distópico. Mas andaremos assim tão longe disto? Não, o que se ouve aqui são relatos bastante actuais sobre o mundo tecnológico, cidades descaracterizadas, religião e outros temas fracturantes da sociedade de hoje, de Trump ao Airbnb. Podem-se estabelecer paralelismos entre este disco de Austra e a mensagens dos Knife, embora aqui tudo seja bem menos abstracto.

[Fundo de Catálogo] Phil Ochs - Pleasures of the Harbor (1967)


E mais um disco incrivelmente influenciado por Sgt Peppers..., mas Pleasures of the Harbor não se fica por aqui e deixa entrar os temas fracturantes da altura, o Summer of Love, a Guerra do Vietname, a morte de JFK, a luta pelos direitos civis e a revolução cultural chinesa. Phil Ochs chega a 1967 já com uma carreira folk como cantor de protesto, depois de ter estudado jornalismo, altura em que ganhou o interesse por política. Mesmo aqui, altura em que deixa a folk para trás na procura de coisas maiores, o protesto continua a ser preponderante.

Em 1962, Ochs muda-se para Nova Iorque e ambiciona ser o melhor cantor folk que existe. Depois conhece Dylan e rectifica: "vou ser o segundo melhor cantor folk que existe". Testemunhos referem que, embora existam trocas de elogios documentadas, Dylan conseguiu ser um verdadeiro idiota para Ochs. Em 1967, Ochs muda-se para Los Angeles e a folk vai perdendo força para a frente psicadélica e Phil Ochs deixa-se influenciar pelos Beatles e Beach Boys, algo que acaba por manifestar-se no seu mais ambicioso registo até à data.

Letras poéticas, políticas, caricaturadas e pormenorizadas, produção barroca e ambiciosa. Phil Ochs não concebia a ideia de que o álbum poderia correr mal. Mas correu: críticas negativas e as vendas relativamente fracas levaram-no ao progressivo declínio que levaria ao dramático suicídio. Ochs sempre quis a consagração que nunca chegou em tempo útil. Ainda vamos a tempo de redescobri-lo e este Pleasures of the Harbor é fundamental se um dia o quisermos repescar a sério. É o Newport Folk Festival de Ochs, na medida em que deixa as canções folk de protesto para se transfigurar e mudar radicalmente de direcção. É cínico, é absurdo ("The War It's Over" chegou a provocar motins) e enigmático. Sobre "Cruxifixion", eventualmente a faixa mais polémica do disco, haveria de dizer: "é sobre a morte de Cristo, sobre a forma como toda a América e especialmente Nova Iorque adoram criar heróis para lhes dar lições de moral e depois assassiná-los violentamente. É uma canção sobre Kennedy. E talvez seja uma canção sobre Dylan". Viveria mais nove anos, mas o melhor Phil Ochs terminava aqui.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] Captain Beefheart and his Magic Band - Safe as Milk (1967)


Foi desde pequeno que Beefheart captou a atenção da família e o encorajamento necessário para desenvolver os seus talentos. É também em miúdo que conhece Frank Zappa que haveria de se tornar a sua grande influência, sendo que aqui neste Safe as Milk essa influência manifesta-se na forma como parodiou tudo o que o rodeava.

Há algum tempo que Beefheart gravava covers r&b para a A&M, a editora habitual que acabou por chumbá-lo desta vez. Uns disseram que as canções eram demasiado depressivas, outros eram mais específicos, como Jerry Moss, executivo da editora terá referido que o conteúdo de "Electricity", por exemplo, seria demasiado sugestiva para os ouvidos da sua filha. Tivesse-lhe mostrado "I'm Glad", eventual paródia a uma canção dos Miracles, e pode ser que...

O disco, fortemente influenciado pelos blues, mas também pela soul, influências western e outras de Phil Spector aqui e Kinks ali, acabou por ser editado pela Buddah Records e, alegadamente, adorado por John Lennon. Pode Safe as Milk ser levado demasiado a sério? Claro que não, mas reconhecemos aqui algum material que haveria de influenciar gente menos óbvia, como John Frusciante, e outra mais evidente como Mike Patton.

 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] Procol Harum - Procol Harum (1967)


Depois de Sgt Peppers, as coisas já não mudam apenas a ritmo mensal, mas sim semanal. Enquanto uns pegavam nas influências e tentavam quebrar barreiras, levando as coisas ainda mais além, outros fracassam e deixam-se consumir pela frustração. Outros ainda nem uma coisa nem outra, apenas boas canções, ali entre os Cream e Bob Dylan, como é o caso dos Procol Harum, eles que já tinham o clássico "A Whiter Shade of Pale" editado seis meses antes e, mesmo com o sucesso de vendas, não o repescaram para a edição britânica do álbum de estreia. Nos Estados Unidos, a história haveria de ser outra. 

No meio de tanta revolução, o primeiro dos Procol Harum acaba por ser um disco fantasma, passando ao lado de muitos revisionismos históricos. O envelhecimento do registo, aliás, está cheio de episódios bizarros: "Conquistador" só seria sucesso em 1972, quando abriu o disco ao vivo Procol Harum Live: In Concert with the Edmonton Symphony Orchestra; Em 2005, Matthew Fisher, que escreveu "Repent Walpurgis", lança um processo alegando ter contribuído na composição de "A Whiter Shade of Pale", acabando por ganhar e garantir parte dos royalties, o que dá um "jeitão" quando já se está a gozar a reforma.

Apesar de ter sido gravado em multitrack, Procol Harum acabou por ser editado em mono e as gravações originais em stereo terão desaparecido para sempre. Talvez tivesse sido essa a sua revolução. Uma falhada.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] The Doors - Strange Days (1967)


Os Doors pela segunda vez em menos do ano, nada surpreendente no ritmo editorial dos sessentas, embora muito deste material venha na sequência de canções já pensadas no tempo pré-álbum de estreia. Quer isto dizer que Strange Days segue a linha sonora de The Doors, mas permite à banda investir mais tempo na exploração de estúdio. Também eles eram inspirados por Sgt. Peppers. Quem não? 

Nota-se que Morrison permite-se explorar ainda mais fundo a sua veia poética. Há. aliás, uma faixa simbólica no reforço dessa ideia: "Horse Latitudes", 95 segundos em registo spoken word. Não é tão conturbado como a estreia, não é um terramoto que foi aquele disco editado no arranque de 1967, não tem faixas censuradas e não tem nenhuma "Light My Fire", embora a complexidade lírica de "When the Music is Over" rivalize de certa forma com a faixa matriz de The Doors. Os Doors eram anti-establishment, estavam nos antípodas do Summer of Love. A filosofia, o misticismo e a arte guiavam um deprimido e negro Jim Morrison. O resultado soava invariavelmente escuro. 

The Doors vendeu mais de 7 milhões de cópias, Strange Days não chegou aos 2 milhões de exemplares. Os hippies tinham os dias contados. Estava tudo de regresso ao normal.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] Beach Boys - Smiley Smile (1967)


Brian Wilson prometeu: "será melhor que Pet Sounds". Não contava com uma das mais celebres aplicações da Lei de Murphy da história da industria discográfica. Smiley Smile nunca esteve para acontecer. Smile era a ideia original (felizmente, tivemos oportunidade de viver para ver um esboço daquilo que poderia ter sido e, se fosse assim seria incrível) e acabou por render uma das mais incríveis histórias do catálogo pop. 

Depois de  Pet Sounds, Wilson preparou outra bomba: "Good Vibrations", single que seria ponto de partida para o tal disco maior que Pet Sounds, maior que Sgt. Peppers, maior que a vida. As frustrações de estúdio, os problemas de saúde do cérebro dos Beach Boys e o desentendimento com os companheiros que se desentendiam com Van Dyke Parks (braço direito de Wilson) porque, alegadamente, escrevia letras demasiado difíceis de apanhar sabotaram-no. Sgt Peppers foi a estucada final. 

Mas embora soe de facto inacabado, Smiley Smile foi crescendo com o passar dos anos. Não fosse a confirmação depois cancelada à última da hora no Monterey Pop Festival e diríamos que estavam completamente alheados do Summer of Love. É diferente de tudo o que se passava em 1967, eventualmente com excepção em Frank Zappa: pega em influências avant-garde e antecipa a música ambiental. A produção lo-fi de boa parte das mais despidas canções contrastam com outras duas que parece a mais: uma é "Good Vibrations" que Wilson insistiu para que não fosse incluída, a outra é "Heroes and Villains". Fragmentado, sim, mas visionário. O homem tinha mesmo qualquer coisa e não apenas problemas mentais provocados por drogas e/ou frustrações. Smiley Smile é um dos acidentes mais influentes da história. E ainda que inacabado faz inveja a tanta discografia. 

sábado, 11 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] The Kinks - Something Else by the Kinks (1967)


O anterior Face to Face, embora celebrado enquanto eventual primeiro disco conceptual da história, já tinha aquela perfeição em que não conseguimos apontar canções a mais. Something Else segue a mesma linha e mostra-nos os Kinks enquanto magnífico aglutinadores de tudo o que passava na música pop em 1967: a bossa de "No Return", o psicadelismo beatlesco de "Lazy Old Sun", aquela intro de "Death of a Clown" que eventualmente traz-nos a intro de "You Still Believe In Me" à cabeça e a soul de "Tin Soldier Man". Íamos a meio da tão afamada golden age dos Kinks. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] Tim Buckley - Goodbye and Hello (1967)


Regressamos a Goodbye and Hello e apercebemo-nos da impressionante quantidade de afirmações do género "o filho é melhor que o pai" e vice-versa, com argumentos que fazem lembrar aquelas discussões que temos no tempo do básico sobre jogadores da bola e que acabam, invariavelmente, num "são jogadores diferentes, não dá para comparar", e acabou a conversa. Ambos tinham dom vocal, ambos morreram cedo e ambos deixaram um legado incontornável. A partir daí, qualquer termo de comparação torna-se discutível. 

Goodbye and Hello surge depois de Buckley deixar escolha, mulher e bandas para trás e depois também da edição de Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, álbum que sai no dia 1 de Junho de 1967 para contaminar todo o segundo semestre. A folk de Buckley passa a incluir, em alguns casos, nomeadamente nas duas primeiras canções, sons que contextualizam o tema das canções que são sobre guerra, drogas e solidão na sua maioria, todas poéticas, mas com um nível de risco e exploração quem nem Donovan, nem Dylan, ele que estava a recuperar de um acidente de mota e não daria notícias durante o que restou do ano civil, teriam alcançado na altura. Ouvimos fantasmas muito ocasionais de John Fahey e notamos a preciosa ajuda de Larry Beckett, aspirante a poeta e escritor de canções que mais recentemente se tornou num crítico literário, ele que colaborou em seis canções, deixando a sua marca nalgum do melhor material de Tim Buckley. 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] Pink Floyd - The Piper at the Gates of Dawn (1967)



Não há nenhum outro disco dos Pink Floyd como The Piper at the Gates of Dawn porque não existem mais álbuns dos Pink Floyd com Syd Barrett sóbrio e ao leme. A estreia dos britânicos é um reflexo da mente de Barrett, seja do título, "roubado" a um livro infantil às letras que, ou são sobre o seu gato ("Lucifer Cat") ou são inspiradas noutros livros infantis.

Tal como com vários outros registos psicadélicos, há quem acredite que este é que é o álbum que sintetiza o movimento. Já o dissemos antes: o psicadelismo não terá uma obra que o defina, mas sim um conjunto. Estes Pink Floyd aproximavam-se mais da cena mais negra dos Doors do que das bandas californianas mais ligadas ao Summer of Love. 

As letras e constantes referências espaciais acabaram por conceder a The Piper... o rótulo de primeiro registo space rock da história. A banda fundia essas notas futuristas (o homem ainda nem tinha ido à lua) com referências psicadélicas, embora tenham chegado a dizer que não faziam ideia no que consistia o psicadelismo. Claro que sabiam: Barrett mantinha uma relação demasiado próxima com LSD e os Pink Floyd acabariam por visitar as gravações de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, o clássico (quase literalmente) da porta do lado, ali nos mesmos estúdios Abbey Road. Haveriam, aliás, de se deixar influenciar por "Lovely Rita", trazendo sons de animais e outros efeitos vocais que preenchem o disco todo. Mas, como disse e muito bem Joshua Klein, da Pitchfork, por altura do 40º aniversário do disco, "os resultados não poderiam ter sido mais diferentes, com os Beatles a controlares o estudo e os Pink Floyd a usarem-no para perder controlo". Um caos talvez inspirado na loucura dos Mothers of Invention.

Há mais: há referências bíblicas, "Take Up Thy Stethoscope and Walk", eventual alusão a João 5:8., a dicotomia entre "Astronomy Domine", sendo que "Domine" é o latim para “Deus”, e a faixa que se segue, “Lucifer Sam". E, claro, "Interstellar Overdrive" que acaba por conceder pistas em relação ao futuro que haveria de ser o dos Pink Floy sem Syd Barrett. 

É um registo tão importante que há melómanos que são apenas fãs deste disco dos Floyd. Fãs tão ilustres como este, por exemplo.


domingo, 5 de fevereiro de 2017

[Fundo de Catálogo] Bee Gees - Bee Gees' 1st (1967)


Vamos tentar fazer uma única referência ao disco sound neste texto e, pronto, está feito. Em 1967, os Bee Gees já tinham dois discos gravados na Austrália, mas nem por isso que este Bee Gees' 1st deixa de ser vendido como álbum de estreia noutros mercados. A que soavam os Bee Gees se o disco sound (ups!) só aparece uma década depois? Tentavam soar aos Beatles, mas rodeados de cordas (aquilo a que se convencionou dar o nome de barroco) e harmonias. "In My Own Town" podia estar em Rubber Soul, várias outras poderiam estar em Revolver. Aliás, terão existido rumores que apontavam no sentido de a banda de Manchester serem os Beatles disfarçados. Senão, acompanhem-nos nesta teoria: "Bee Gees", "BGs", "Beatles Group", isso.

Nota ainda para umas poucas notas futuristas, isto na altura em que se faziam discos inspirados em Star Trek e os Byrds já tinham editado 5th Dimension há mais de um ano. E, por fim, se os Hollies ficaram com a distinção da 1ª capa descaradamente psicadélica, os Bee Gees ficaram com a 2ª. Um mês de diferença, nem isso, mas uma eternidade na 2ª metade da década de 60.

[Fundo de Catálogo] The Beatles - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967)


Depois de Rubber Soul, disco perfeito e sem canções para encher (Brian Wilson dixit), de Revolver, iniciação ao psicadelismo num disco livre e o último que terá contado com um grupo unido na sua composição. Sobre as gravações de  Sgt Peppers..., Ringo haveria de dizer mais tarde que só se lembra de aprender a jogar xadrez e George Harrison confessar-se-ia irritado e longe do resto do grupo. Nas palavras do próprio: "era Lennon a criar ao piano e o Ringo a manter o tempo". Brian Wilson, homem cuja visão, frustração e perfeccionismo ia puxando a pop para lá dos limites que eram derrubados todas as semanas (pelos Doors, pelos Jefferson Airplane, pelos Velvet Underground, por Jimi Hendrix, só para nos ficarmos nos seis primeiros meses de 67), haveria de atirar a toalha ao chão. Os Beatles passavam a jogar num campeonato só seu.

1 de Junho de 1967, o mesmo dia da edição da esquecida e esquecível estreia de David Bowie, três dias depois do incidente no Tompkins Square Park, no Memorial Day, o início do fim do Summer of Love. Sgt Peppers Lonely Hearts club band tornou-se a banda sonora dessa geração a par, claro, de “SanFrancisco (Be Sure to Wear Flowers in Your Hair)”, escrita e interpretada por membros dos The Mamas & The Papas, sempre excelentes na descrição de banalidades, seja o movimento hippie, seja uma segunda-feira. E só não conseguimos referir que a relação foi reciproca porque o registo terá sido gravado ao longo de quatro meses, uma eternidade para a altura. Sim, numa altura em que já tinha abandonado de vez os palcos, e de forma irónica, os Beatles terão passado o movimento todo em estúdio.

O objetivo seria uma obra conceptual sobre uma banda ficcional, a que dá título ao disco e que vai sendo introduzida canção a canção. Rapidamente aborreceram-se e fica apenas a introdução da faixa-título, a que apresenta Billy Shears aka (?) Ringo Starr, na interpretação de "With a Little Help From My Friends". O conceito de concerto perde-se e o registo mesmo tendo sido importante para a afirmação do álbum, acaba por funcionar como um álbum normal. Face to Face, dos Kinks, e Velvet Underground & Nico, dos Velvet Underground, serão obras mais válidas na exploração de um conceito. 

E será Sgt Peppers o melhor disco de todos os tempos? Existe algum consenso à volta desta ideia: o primeiro álbum rock a ganhar o Grammy para "Melhor Álbum", o conceito, a capa (porque não?), as inovadoras técnicas de produção e até uma ou outra opinião contrária que só o legitima. Mas Sgt Peppers terá canções a mais. Algumas não estão ao nível do rótulo de melhor de sempre, principalmente ali entre "When I'm Sixty Four" e a “Reprise”. Lennon chegou a referir-se a "Good Morning, Good Morning" como "lixo". Mas teremos sempre “Lucy in the Sky with Diamonds”, “She’s Leaving Home” e “A Day in the Life”